Maoz Tzur, a canção mais conhecida de Chanuka, fala de massacre e vingança, e ainda sim é uma das favoritas das crianças. Em Israel, faz parte da sequência “oficial” do acendimento das velas: acendem-se enquanto duas bençãos são feitas, e logo após, sem perder um milionésimo de segundo, todos começam a cantar Maoz Tzur.

A melodia é linda, exaltante, e apropriada para ser cantada em coro, com toda a família. Contudo, a letra não é muito clara para a maior parte dos israelenses. Talvez isto explique o seu sucesso, não sei bem… Neste momento em que escrevo estas palavras, minha filha está assistindo um programa israelense no youtube, onde Rinat, a rainha dos baixinhos, canta Maoz Tzur para um grupo de crianças. É incrível a cara que ela faz enquanto diz as palavras “No momento em que [Deus] preparar o massacre dos inimigos que latem”.

Mordechai

Mordechai, autor do poema, era um cara modesto, e colocou as 5 letras de seu nome (מרדכי) abrindo as cinco primeiras estrofes (são 6 no total, a parte que todos cantam é a primeira estrofe, e “ninguém” conhece o resto). Quem é Mordechai? Ninguém sabe.

O que sim sabemos é que o poema data dos anos 1200, no que hoje chamamos de Alemanha. Essa era uma época difícil aos judeus europeus, com a perseguição “normal” exacerbada pelas cruzadas.

Pode ser que se trate do rabino Mordechai Ben Hillel, de Nuremberg. Ele é muito conhecido por seu livro de decisões acerca da halachá (lei judaica), e também escreveu um livro de poemas e lamentações, onde assinava suas obras como “Mordechai”. Nasceu em 1250, e morreu (juntamente com sua esposa e filhos) em primeiro de agosto de 1298, no pogrom de Rintfleisch.

Também pode ser que o autor seja o poeta Mordechai ben Yitzhak HaLevi, nascido na Itália, e que mais tarde se mudou para Mainz. Seu sogro teria sido morto durante os massacres de Rhineland, em 1096, durante a primeira cruzada.

Seja quem for que escreveu Maoz Tzur, fica claro que a perseguição aos judeus é um fator essencial para entendermos a temática do poema.

Pessach, Babilônia, Purim e Chanuka

Maoz tzur conta a história do povo judeu, e como Deus salvou seu povo escolhido em quatro momentos diferentes.

A segunda estrofe fala do êxodo do Egito.

“Minha alma se saciou de tragédias, com tristeza minha força se apagou.
Minha vida eles amarguraram com dificuldades, na escravidão no reino do Egito.
E com sua grande mão [Deus] tirou dali seu povo especial.
Enquanto o exército do faraó desceu às profundezas como uma pedra.”

A terceira estrofe trata do final do exílio da Babilônia.

“Ele me trouxe ao seu lugar mais santo, e mesmo ali não descansei.
O opressor veio e me exilou, pois eu tinha deuses estranhos,
e bebia vinho venenoso. Mas eu nem havia chegado,
A Babilônia caiu e Zorobabel [veio], em setenta anos fui salvo.”

A quarta estrofe reconta o milagre de Purim.

“O Agagita filho de Hamedata [Haman] queria cortar o cipreste [Mordechai].
Mas acabou sendo-lhe um embuste e obstáculo, seu orgulho se silenciou.
Você levantou a cabeça do benjamita [Mordechai], e riscou o nome do inimigo.
Os seus vários filhos você enforcou numa árvore.”

Finalmente, na quinta estrofe chegamos a Chanuka:

“Os gregos se juntaram contra mim nos tempos dos Hasmoneus.
E derrubaram os muros de minha torre, e deixaram todo o óleo impuro.
E do último dos frascos, foi feito um milagre às rosas [ao povo judeu].
[Então] os sábios determinaram os oito dias de canções de alegria.”

O começo e o final

Maoz Tzur não foi escrita como canção de Chanuka, acabamos de ver isto acima. Como foi então que esta poesia tornou-se um símbolo de Chanuka e não de Pessach ou de Purim?

A primeira e última estrofes são as únicas no tempo presente, e dizem o seguinte:

“Minha fortaleza, rocha de minha salvação, é agradável Te louvar.
Estabeleça a minha casa de preces [o templo de Jerusalém], e ali Lhe faremos sacrifícios de agradecimento.
Quando você massacrar os inimigos que latem,
Então terminarei cantando um hino à inauguração [chanuka] do altar.”

Última estrofe:

“Revele o Seu santo braço e aproxime a redenção.
Traga vingança ao povo mau, em nome de Seus servos.
Pois [a salvação] já demorou muito para chegar, e os dias de maldade não têm fim.
Empurre o vermelho [Esaú, representando o cristianismo] às sombras, e nos estabeleça sete pastores [que libertarão Israel da opressão, Miquéias 5:4].”

Antes de mais nada: não é uma temática para música infantil. Ficou claríssimo. Mas a Marselhesa também não é (Às armas, cidadãos, // Formai vossos batalhões! // marchemos, marchemos! // Que um sangue impuro // Banhe o nosso solo!), e milhões de criancinhas também a cantam…

Provavelmente porque a palavra Chanuka aparece na primeira estrofe (literalmente no sentido de inauguração e consagração!), a associação com esta festa é inevitável, e no final das contas ninguém lembra de Pessach e Purim quando se fala de Maoz Tzur.

A última estrofe só foi aparecer pela primeira vez há cerca de 200 anos, em Amsterdã. Não se sabe se ela é mais recente, ou se faz parte do poema original, e foi censurada por conta do tema da vingança, para não gerar mais perseguições. Alguns dizem que faz sentido que a estrofe tenha sido escrita junto com o resto, porque as primeiras letras de suas três primeiras palavras formam Chazak (חזק), ou seja, “forte”. Novamente, é tudo especulação.

A melodia

A melodia é uma adaptação de uma canção folclórica alemã, “So weiss ich eins, dass mich erfreut, das pluemlein auff preiter heyde”. A mesma canção parece ter sido adaptada por Martinho Lutero para seus corais, e podemos avaliar as semelhanças no vídeo abaixo (coral “Nun freut euch, lieben Christen g’mein”) com harmonia de Bach.

Antes mesmo da fundação de Israel, as crianças aprendiam Maoz Tzur no jardim de infância, e depois iam para casa e ensinavam a seus pais. Possivelmente, isto explica a sua hegemonia absoluta. É interessante notar que Maoz Tzur não aparecia em nenhum livro de poesias ou cânticos dos judeus sefaraditas. Com sua imigração massiva nos anos 1950 e 1960, os sefaraditas também adotaram Maoz Tzur dos ashkenazitas que já estavam em Israel.



Fontes: YNET, YNET, Simania, ZeevGalili, Wikipedia, Wikipedia.

Imagem de destaque: Mosaico de menorá, século 6 EC, de uma sinagoga na Tunísia. Fonte: ancienthistory.